Crítico à abertura de universidades, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, quer dividir instituições federais de ensino superior existentes para criar cinco novas universidades e cinco institutos técnicos.
A iniciativa não prevê a expansão de vagas de alunos ou da rede física, mas atende aos interesses de políticos aliados ligados ao centrão.
A ideia significará a criação de 2.912 cargos para comandar as novas instituições que, na prática, já funcionam. O inchaço da máquina pública virá com um aumento de gastos que pode chegar a R$ 500 milhões por ano, de acordo com estimativas do Ministério da Economia.
Segundo relatos, técnicos da Economia questionam o MEC (Ministério da Educação) pela ausência de interesse social na criação de cargos, sem que haja expansão de vagas para alunos nas novas instituições. O governo Jair Bolsonaro (sem partido) tem discurso de redução dos gastos com pessoal, e o ministro da Economia, Paulo Guedes, já comparou servidores a parasitas.
Segundo o MEC, o custo seria de R$ 147 milhões no ano. No entanto, não há previsão para esse gasto na proposta orçamentária de 2022.
A Folha teve acesso à minuta do projeto de lei que cria as instituições por desmembramentos de campi já em funcionamento. Elas estão previstas para Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Espírito Santo e Piauí. O último estado é base eleitoral do líder do centrão e ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP).
No caso dos institutos federais, novas unidades surgiriam a partir de unidades em São Paulo, Goiás e Paraná. Interlocutores apontam interesse eleitoral de políticos bolsonaristas, entre eles o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR).
Ribeiro cede aos interesses do centrão apesar da contradição com a realidade orçamentária do MEC e de seu próprio discurso. O ministro já disse que a universidade deve ser para poucos e que o Brasil errou, em governos anteriores, ao investir mais em ensino superior do que na educação básica.
Antes crítico da negociação de cargos com o centrão, Bolsonaro se aliou a políticos do bloco para evitar o avanço de pedidos de impeachment. Na educação, o grupo de legendas comanda o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), responsável por obras.
O ministro da Educação e auxiliares estiveram na Câmara na última quarta-feira (20) para detalhar o projeto. A criação de um novo instituto em Goiás não consta no projeto de lei, mas apareceu na exposição de Ribeiro para atender ao pleito do deputado bolsonarista major Vitor Hugo (PSL-GO).
Na Câmara, Ribeiro citou o empenho das bancadas do Paraná e de Goiás para estimular esse tipo de expansão. O ministro defendeu que a iniciativa trará facilidade para abertura de novos cursos e poderá, no futuro, resultar em aumento de vagas. Procurado, o MEC não respondeu.
Essa criação de instituições representa ganhos em redutos eleitorais porque os políticos têm interesse no aumento de investimentos federais nesses locais. Miram ainda potenciais ganhos imobiliários. É comum, por exemplo, que haja doações de terrenos para novos campi, de olho na valorização do entorno, segundo relatos de ex-secretários de ensino superior do ministério.
Na apresentação que o MEC fez na Câmara, um dos novos institutos federais do Paraná teria sede em Maringá, cidade do deputado Ricardo Barros. O município, entretanto, nem sequer tem campus.
O líder do governo afirma à Folha que a decisão é técnica e houve consulta às instituições. “O pleito de Maringá é da sociedade organizada e apoiado pelos parlamentares da cidade.”
Milton Ribeiro disse ainda na Câmara que as instituições teriam concordado com o fracionamento. Consultadas, no entanto, elas relatam que o projeto tramita à revelia e fazem críticas. Afirmam que não há respaldo em projeto real de expansão com critérios acadêmicos.
A UFES (Federal do Espírito Santo) divulgou posicionamento contrário ao desmembramento.
“A forma exógena, sem diálogo e sem o devido planejamento, como está sendo conduzida a proposta, sob pressão de atores políticos apartados da realidade do sistema universitário (…) configura flagrante desrespeito ao princípio constitucional da autonomia universitária”, diz nota do conselho universitário.
A UFPI (Federal do Piauí), que perderá unidades em três das quatro cidades onde atua, também não foi comunicada oficialmente, diz o reitor, Gildásio Guedes. Segundo ele, a movimentação pode até trazer benefícios para campi distantes, mas resulta em diminuição da universidade em termos de pesquisa e intercâmbios internacionais.
“É uma situação que exige análise dos diretores dos campi, do conselho universitário”, afirma.
Em 2018, a UFPI já tinha perdido um campus no município de Parnaíba para a criação de universidade batizada com o nome da cidade. “Ainda hoje ela está sob nossa tutoria. Dados de alunos, currículo, tudo está pendente e há um custo tecnológico nisso”, conta o reitor.
Enquanto são planejados quase 3 mil cargos para novas instituições, o sistema federal de ensino superior enfrenta déficit de profissionais.
A UFPI, por exemplo, tem falta de 80 professores, cargos ocupados atualmente por substitutos. O Instituto Federal Goiano, que perderá o campus de Rio Verde para criação de unidade independente, tem falta de cem professores e 80 técnico-administrativos.
Segundo o reitor, Elias de Pádua Monteiro, há demanda da direção da unidade de Rio Verde pelo desmembramento. Mas, segundo ele, além de haver outras prioridades, o tema precisa ser discutido amplamente e nem sequer houve comunicado oficial.
“O problema é o momento, em que temos restrições orçamentárias”, diz. “Aumentar despesa sem ter nova matrícula não nos parece algo sensato.”
O projeto do MEC também prevê incluir o Instituto Benjamin Constant, no Rio, na rede federal técnica. O Conif, conselho que agrega os institutos técnicos e profissionais do país, também não foi avisado com antecedência.
“É legítimo querer expansão, mas temos preocupações com a questão orçamentária dos últimos anos, cortes, bloqueios, e temos institutos que ainda não estão em condições 100% de infraestrutura e pessoal”, diz a presidente do Conif, Sônia Fernandes.
Dos institutos atingidos, o de São Paulo seria o único interessado no desmembramento, pois conta com unidades em todo o estado. A IFSP não respondeu aos questionamentos da reportagem.
O presidente da Andifes, que representa os reitores das universidades, diz ser essencial a avaliação de cada instituição. A entidade, também ignorada pelo MEC, pediu agenda com o ministro para conhecer o projeto.
“Se parte única e exclusivamente de interesse políticos, afirmaria que esse não é o modelo de expansão que defendemos”, afirma o presidente da Andifes, Marcus Vinicius David.
As instituições federais de ensino superior passam por reduções de orçamento ao menos desde 2015. Sob o governo Bolsonaro, enfrentam cortes e congelamentos –a federal do Rio de Janeiro, por exemplo, chegou a ameaçar fechar as portas neste ano.
Os gastos com pessoal são os que mais pressionam. Chegaram a R$ 63 bilhões no ano passado, o que representa alta de 14% desde 2015 na comparação com valores atualizados pela inflação.
Os novos cargos planejados pelo MEC irão impactar exatamente essas rubricas de pessoal. Os gastos com custeio das universidades e institutos registraram redução de 37% entre 2015 e 2020 e os investimentos caíram 66% no mesmo período.