Manaus (AM) – “Puxei ele pelas calças. Ela não ia levar meu homem. Não teve jeito, mano! Pulei na água pra dar na cara dela”. A polêmica declaração é da aposentada *Mara Machado, 70 anos.
A ex – moradora de São Paulo de Olivença (distante 1.366 quilômetros de Manaus), conta que teve uma experiência aterradora com a folclórica Iara, a sereia dos rios amazônicos, muito temida pelos indígenas por seduzir homens e matá-los afogados no fundo do rio. Mara afirma que era “louca em vida” pelo seu marido.
“Isso foi há 30 anos! Estava na cidade, recentemente, e meu sonho era casar toda de branco. Me guardava para o dia em que tivesse um homem. Foi quando conheci o Francisco, passeando na Praça São Paulo, ponto turístico da cidade. Sentou ao meu lado, perguntou se eu queria uma pipoca. Pegou na minha mão e me deu o primeiro beijo. Confesso que fui fácil, mas estava muito ‘carentona’. Depois, me beijou muito mais nos fundos de uma igreja, no escuro. Só que eu era pura e virgem, aos 40 anos, uma loba intacta. Só não deixei avançar mais”, relata.
Após conhecer ‘Chicão’, como carinhosamente o chamava, a mulher afirma que foi logo pedida em casamento. “Ele tinha guardado as alianças dentro de um caroço de tucumã, cerrado ao meio. Quando abri, fiquei em êxtase. A resposta foi ‘sim’, claro. Deveríamos casar dentro de poucas semanas e moraríamos numa pequena choupana [pequena casa com acabamento tosco] de palha, perto do rio Solimões”, relembra.
Ameaças
Porém, segundo *Mara, sua felicidade enfrentou uma longa batalha com a mitológica Iara há duas semanas para o seu casamento.
Estava mandando fazer meu vestido, quando ‘Chicão’ inventou uma pescaria no Rio Solimões com os amigos. Que era sua despedida de solteiro. Fiquei revoltada. Já imaginou se eu pedisse uma despedida de solteiro, cheia de homens? Mesmo assim, deixei ele ir à tal pescaria”, relata.
Só teve um problema, de acordo com a mulher. As pescarias começaram a ficar mais frequentes, neste intervalo entre duas semanas para o casório.
“Já vai pescar de novo? Ele só mexia a cabeça e parecia que estava hipnotizado. Era algo impressionante. Pegava a caixa com iscas, saía às 18h e dizia que não tinha hora para voltar. Nesse momento, meu sinal de ‘alerta’ ficou ligado! Tinha outra mulher na jogada e eu ia arrancar os olhos dela na navalha, se fosse preciso”, fala com raiva.
“Não vá, minha filha”
No dia do casamento, Machado afirma que estava nervosa demais. A igreja lotada e, pasmem, a noiva era a primeira no altar. “Cheguei foi antes, com a minha aliança já no dedo e eu que ia meter a dele no dedo dele. A igreja até o ‘tucupi’ de gente, eu toda de branco e esse homem nada. O padre já estava agoniado de tanto esperar. Meu pai e minha mãe nervosos e nada do ‘Chicão’”, relata.
Quase uma hora de espera, a mulher afirma que, naquele momento, não se sentia mais uma mulher, mas uma ‘onça brava’ e que ‘cabeças iam rolar’.
“Saí correndo do altar, com papai gritando ‘Não vá, minha filha. Não se exponha ao ridículo’. Eu não queria nem saber! Saí da igreja, fui correndo em direção onde era essa tal pescaria. Foi quando tive uma das maiores surpresas de minha vida sobre quem era a outra que Francisco estava pegando”, diz.
A sereia
Cabelos verdes, olhos castanhos, unhas compridas e pintadas de vermelho. Os lábios de um encarnado intenso. Foi com esta figura que *Mara flagrou o futuro marido, ajoelhado à beira do rio.
“Não acreditava no que meus olhos estavam vendo. Os dois estavam de rosto coladinho e meu noivo parecia uma abestalhado, um ‘leso’, cheirando o pescoço dela. Ah, mas não contei outra! Gritei bem alto, saindo de trás da árvore, toda de noiva: “Vou fazer um escabeche de ti! “. Aquele ser teve a cara de retrucar:
“Há dias que teu homem mata a sede comigo e, hoje, vou levar ele”, afirma.
A luta com a Iara
Naquele instante, a mulher disse que sentiu uma raiva intensa como nunca antes sentiu. “Sai correndo, possuída e pulei no rio. Tinha deixado as unhas crescer feito garras afiadas, esperando esse dia e ela já estava arrastando o abestado para o fundo do rio. Segurei ele pelas calças. Ela puxava de um lado, eu de outro. Era um vai e vem muito doido. Foi quando percebi que a ‘bicha’ tinha uma enorme calda de peixe e tentou até me bater com ela”, jurou a mulher de 70 anos.
Mara alega que estava perdendo as forças contra o estranho ser, que tinha uma enorme agilidade dentro d´água. À essa altura, Chicão já estava, praticamente, pelado dentro do rio, de tanto ter as calças puxadas. Quando sentiu que ia perder a batalha, a brava noiva teve uma ideia.
“Mirei bem na cara bela e enfiei minhas unhas em um dos seus olhos. Aquilo largou meu marido e ainda falou: ‘Você vai pagar’. Quem ia pagar era ela.
“Com Francisco apoiado nos ombros, vestida de noiva e um braço livre, dei mais um ‘tubo’ na cara daquela mulher-peixe. Saiu gritando, afundou e não retornou mais”, relembra.
Acorrentado e casados
Após salvar seu homem, do que jura ter sido um ataque da Iara, a sereia dos rios amazônicos, *Mara Machado, conta que, finalmente, se casou e hoje vive um matrimônio feliz ao lado do esposo.
“Só pode ter sido a Iara que o povo fala. Minha mãe me disse que papai, uma vez, quase vai também”, finaliza.
Quem é a Iara
Reza a lenda que o folclórico ser é uma sereia, sendo conhecida por sua imensa beleza, voz encantadora e riquezas. De origem indígena da região amazônica, o místico é descrito como metade mulher e metade peixe.
Embora o folclore ser oriundo da região Norte, a história é conhecida em todo o Brasil, inclusive, a Netflix reuniu todos os folclores amazônicos em uma única série transportada para a atualidade. Ela é conhecida por seduzir homens que estão nas margens dos rios, levando-os para debaixo d’água.
Iara muitas vezes é confundida com o orixá africano Iemanjá, a rainha do mar e as duas figuras têm história parecidas. No entanto, a Iara emite uma melodia que atrai os homens. Já Iemanjá, pune os homens que fizeram mal à alguma mulher.
*Nome usado para preservar a identidade da personagem
*A matéria pertence a Carlos Araújo/portal Em Tempo 1