Manaus (AM) – Uma história um tanto quanto estranha, mas que *Francisca Belmiro, de 50 anos, jura ser a mais absoluta verdade. Quando criança, morava no município de Eirunepé (distante 1159 quilômetros de Manaus).
“Nasci e cresci no município e sonhava muito conhecer Manaus. Sempre ouvia que era uma cidade tão linda. Cresci com aquilo. Quero ver Manaus, quero ver Manaus”, relembra.
Ao completar 20 anos, conta que foi prometida pela família a um agricultor local, cujo nome era ‘Salgadão’. “Naquela época, há 30 anos, era tudo mais complicado. Foi um casamento sem amor. Várias vezes ele quis um filho, mas não engravidava”, afirma.
Por conta de toda a família achar que *Francisca era estéril, era chamada de ‘árvore seca’ e maltratada, muitas vezes, pelo marido. Trancada em casa, só tinha ‘direito’ de lavar roupas à beira do rio, todos os dias.
“Cuecas, calças, camisas dele. Tudo eu lavava. Me sentia muito infeliz, atravessando aquela mata, com um pólem todo pegando no rosto, para chegar ao igarapé e lavar cuecas. Minha família chamava aquilo de felicidade. Eu chamava de ‘inferno’, enfatiza.
O sonho continua
Sozinha em casa, todos os dias *Francisca descia para o igarapé. Com os olhos irrigados d´água, se questionava se o desejo de conhecer Manaus, um dia, iria acontecer e se poderia se ver livre das garras do marido.
Batia-lhe um forte vento, oriundo das matas, de maneira que todo pólen das flores e cheiro das plantas vinha em seu rosto. Inalar aquilo, de acordo com ela, trazia-lhe paz até chegar ao rio.
“Ficava muito leve e começava a lavar as roupas. Era como se a natureza me acalmasse. Um belo dia, estava lavando roupas do Salgadão, quando vi duas bolas vermelhas que pareciam me observar de dentro d´água. Fiquei em pânico”, relata.
A mulher afirma que, maior ainda, foi a surpresa que tomou com um ser enorme saindo de dentro do rio e olhando fixamente para ela. “Era grandão. Uma ‘cobrona’ e estava mirando em minha direção. Os olhos eram fogo flamejante. Me deu uma vontade doida de correr, mas estava paralisada”, conta ao Em Tempo 1.
Conversando com a cobra
“Quem é você?”, foram as palavras de *Francisca ao estranho ser das águas. A mulher ficou mais paralisada ainda, quando ouviu a resposta. “Não te interessa! O que importa é que, todos os dias, vejo você chorando aqui nesse rio. Sei que seu marido é covarde e bate em você. Sei também que teu sonho é conhecer Manaus. Saiba que vivo por lá, perto de uma área conhecida como ‘Manaus Moderna’. Hoje, mesmo não sendo do meu gosto, vou realizar teu sonho”, disse.
A dona de casa conta ao Em Tempo 1 que ficou sem palavras por uns cinco minutos. Depois, só teve forças de dizer: “Como você vai me levar para conhecer Manaus, oh, dona ‘cobrona’ da cabeça enorme e de fogo?”, perguntou.
O animal fez sinal para que *Francisca subisse nele. A cobra era grande e tinha um corpo com escamas e pele duras. A mulher, mesmo com medo, disse que encarou a aventura. “Montei na cobra e disse: quem está na chuva é para se molhar!”, relata.
A viagem de ‘Chica’
E foi assim, em cima de uma cobra imensa, de uns vinte e cinco metros, no mínimo, garante Francisca, que foi pairando pelas águas, rumo à capital amazonense.
“Ela sempre me falava para me segurar em suas escamas e que eu evitasse olhar para baixo. Para quem pensa que foi nadando, está enganado. Ela abriu duas asas enormes que pareciam com as de urubu e voamos. Lá de cima, via os tucunarés pulando na água, um peixe-boi reproduzindo, e passamos até por cima da casa da minha mãe, que estava estendendo roupas. Ela não me viu”, afirma a mulher de 50 anos.
Montada na cobra, a mulher também afirmou que sentiu a sensação de liberdade como nunca havia sentido na vida. O vento rasgou suas roupas, de modo que estava só de calcinha e sutiã.
Manaus Moderna
Após uma viagem que durou cerca de uma hora montada na serpente, *Francisca afirma que, lá de cima, conseguiu ver a cena que mais desejava na vida.
“Enxerguei aquela cidade linda, enorme e com um porto, com uma feira. Meus olhos jamais poderiam imaginar que chegaria lá, um dia”, disse à nossa equipe.
O animal voltou a falar com ela e garantiu que, naquele momento, estava diante da Manaus Moderna. “Começaram a fundar isso aqui no começo da década de 1990. Eu sei porque sempre estava nadando nessa região”, disse o ser à Francisca.
A viajante conheceu muito mais. Passou ‘por cima’ do ‘Teatro Amazonas’, da ‘Feira da Banana’ e até enxergou de longe o “Tropical Hotel”. “Juro de pés juntos e quero cair mortinha se, montada na ‘dona cobrona’, não vi tudo isso. Lavei os olhos e a alma. Acho que ela tinha o poder de ficar invisível porque, estranhamente, ninguém nos via. Foi quando ela disse que também provaria que a estéril não era eu”, relatou.
O filho da cobra
“Atrás de uma área chamada de Itamaracá, o animal aterrizou comigo. E ali, na beira das pedras, a ‘dona cobrona’ disse que a ‘árvore seca’ não era eu. Não posso relatar mais detalhes. Porém, senti coisas com ela, que Salgadão jamais me ofereceu”, afirmou.
Francisca ficou grávida do ser e, assim, foi levada de volta, no ‘lombo’ do animal à Eirunepé. “Quando aterrizei, ela me disse que, em três semanas, iria colocar um ovo. Era para eu vir no mesmo local, me ajoelhar, deixar sair, que ela ia pegar. Seria o pagamento”, explica.
No prazo estimado, a mulher disse que sentiu a barriga crescer e Salgadão, o marido, achar que o filho era dele. “Disse na cara dele que não. Então, me espancou. Mas provei pra ele que a estéril não era eu. Depois, literalmente, ‘desovei’ no rio. Foi quando vi os ovos se partindo e um seres metade humanos, metade cobras, caindo na água. Os olhos vermelhos de fogo no fundo do rio, pegaram esses animais. Nunca mais vi ‘dona cobrona’”, fala *Francisca.
Adeus, Salgado
Sentindo-se liberta, a personagem de nossa história afirma que deixou o marido agressor. “Queria me agredir. Mas, tomei coragem, acertei a cabeça dele com um ‘pau de macarrão’ e vim foragida da cidade. Hoje, moro em Manaus, tenho outro nome, sou feliz e digo de peito aberto: ‘obrigada, dona cobrona. Foi mágico”, finaliza.
Boitatá
O estranho ser do relato de *Francisca, se assemelha, em parte, com as características de um famoso personagem do folclore amazônico: o boitatá. Segundo a lenda, seria uma cobra de fogo com muitos olhos e que protege campos e matas de pessoas com maus propósitos.
A lenda conta que ele protege os animais e as matas das pessoas que lhe fazem mal e, principalmente, que realizam queimadas nas florestas.
Na narrativa folclórica, essa serpente pode se transformar num tronco em chamas, com o intuito de enganar e queimar os invasores e destruidores das matas. Acredita-se que a pessoa que olhar o Boitatá torna-se cega e louca.
O primeiro registro que se tem da lenda do boitatá foi feito pelo padre José de Anchieta, no século XVI. As características físicas apontadas por *Francisca, como asas, são de sua inteira responsabilidade.
E você, acredita nela? Conte para nós!
*Nome usado para preservar a identidade de nossa entrevistada
*Créditos: com informações da matéria de Carlos Araújo do Em Tempo 1