25.3 C
Manaus
terça-feira, fevereiro 4, 2025

Indígena registrado como Hitler consegue mudar de nome no AM

CMMspot_imgspot_img

Imagine ser registrado com o nome de um ditador responsável pela morte de 6 milhões de pessoas. No Amazonas, um homem batizado como Hitler recorreu à Defensoria Pública Especializada de Registros Públicos para mudar o nome que lhe causava constrangimento. Ele ainda requereu a inclusão, em sua nova identificação, do povo e do clã indígena de origem.

O pedido foi aceito pela Justiça com base em direito garantido por lei e em jurisprudências. Agora ele tem o nome com o qual se identifica e sua história representa a de muitos, servindo como ponto de partida para esclarecer a sociedade sobre este direito.

Segundo informações da assessoria de imprensa da Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM), as solicitações de mudança de nome são uma demanda relativamente expressiva na Defensoria. De janeiro de 2020 a outubro de 2021, foram ajuizados, por meio da especializada de Registros Públicos, 152 processos solicitando alguma alteração de registro civil. Só no ano de 2021, foram ajuizados 85 processos.

Um destes processos foi o de Yura. Antes Hitler, após a decisão judicial para mudar de nome, ele passou a se chamar Yura Niwa Wani Ni-Nawavo Marubo Comapa Franco. “Agora trago o nome com o qual me identifico, o nome do meu povo”, afirma. Yura tem 41 anos, nasceu em uma aldeia em Atalaia do Norte, a 1.138 quilômetros de Manaus. É bacharel em Direito e funcionário público.

No caso específico dele, foi feita a alteração do prenome que causava constrangimento para o nome indígena, com sobrenome que identifica o povo de origem. Além disso, a pedido dele, a Defensoria solicitou a inclusão da identificação do clã a que ele pertence. Dessa forma, Yura Niwa Wani é seu prenome, que significa pessoa falante, comunicativa. Ni-Nawavo é o clã, “Marubo” é o povo e “Comapa Franco” o sobrenome original, que permanece.

Ele conta que a ideia de registrá-lo como Hitler foi do pai já falecido, que foi militar no período da ditadura no Brasil e que tinha empatia pela figura e história do ditador alemão. Depois de uma vida inteira sofrendo preconceito e agressões, decidiu proceder à alteração do nome que lhe trazia “uma profunda tristeza”.

“Além de ser índio, ainda tem esse nome horrível”, diziam a ele que, por mais de uma vez, teve que se defender de agressões físicas por isso. “Acabava criando para mim a imagem negativa que esse nome carrega e que era totalmente diferente da minha realidade, que é indígena”, afirma Yura, explicando que decidiu mudar de nome também por questões profissionais.

Para Yura, a alteração do nome traz vida nova. “O que a Justiça faz, à luz do Direito, com direitos previstos em lei, é devolver a vida, a dignidade da pessoa humana”, afirma. Ele avalia que sua história precisa ser mostrada para incentivar outros indígenas a ter coragem de assumir seus nomes de origem e para conscientizar a sociedade da importância desse reconhecimento.

O que diz a legislação

Os critérios para a mudança de nome estão previstos na Lei de Registros Públicos (Lei 6.015, de 1973), na construção de jurisprudências a partir de decisões judiciais que se consolidam, e em ordenamentos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

A regra da Lei de Registros Públicos é a imutabilidade do nome. No entanto, qualquer pessoa pode alterar seu prenome nos casos em que ele causa constrangimento; quando o nome foi registrado incorretamente; e quando a pessoa, apesar de não se sentir constrangida, é conhecida no meio familiar e social com nome diverso do que consta em seu registro de nascimento. A alteração do nome também pode ocorrer para corrigir ou acrescentar um sobrenome familiar.

De acordo com a defensora Suelen Paes, em exercício na Defensoria Pública Especializada de Registros Públicos, é importante ressaltar que a alteração de nome só é realizada se não prejudicar o interesse de outras pessoas. Ela explica que uma situação ainda desconhecida da maioria das pessoas é que a mudança pode ser realizada diretamente no cartório de Registro Civil e de Pessoas Naturais antes de a pessoa atingir 18 anos.

“Após essa idade, é possível a mudança apenas de forma judicial, porque as pessoas assumem compromissos legais, contratos. É para o Judiciário verificar se não há alguma burla ao direito de alguém”, conclui.

Atendimento na Defensoria

Na Defensoria do Amazonas, a pessoa que deseja proceder a alteração de nome deve agendar atendimento na Defensoria Especializada de Registros Públicos por meio do Disk 129, serviço telefônico gratuito que funciona das 8h às 14h, de segunda à sexta-feira.

No momento do agendamento, um atendente solicita que seja providenciada a documentação necessária para provar a necessidade da alteração do nome. Por exemplo, Certidão de Nascimento, print da conta em redes sociais, certidões negativas da Justiça, declaração de testemunhas, etc. No dia do atendimento, a pessoa apresenta a documentação, relata o seu caso e, então, a Defensoria ajuíza a ação judicial solicitando a alteração do nome.

As certidões negativas da Justiça são necessárias para provar que a pessoa não cometeu um crime e que não está querendo se ocultar, ou que não pretende se esconder de possíveis credores. Isso porque a lei diz que mudança de nome não pode ocorrer em prejuízo de terceiros.

Outras possibilidades

Além da Lei de Registros Públicos, há pelo menos outros dois regramentos que tratam de casos mais específicos de alteração de nome. O primeiro é o Provimento do CNJ Nº 73, de 2018, que permite que a mudança de nome e gênero seja feita em cartório para pessoas transgêneras, sem a necessidade de decisão judicial. O segundo é a Resolução Conjunta Nº 3/2012, do CNJ e do CNMP, que prevê, a pedido do interessado, o registro do nome indígena como prenome e do povo a que a pessoa pertence como sobrenome. Além disso, a resolução estabelece que a aldeia de origem do indígena e a de seus pais poderão constar como informação a respeito das respectivas naturalidades, juntamente com o município de nascimento.

No caso do processo de Yura, a inclusão do “clã” no nome não está prevista especificamente na Resolução Conjunta Nº 3/2012, do CNJ e do CNMP, muito embora isso decorra da necessidade de proteção da cultura indígena, conforme disposições da Constituição Federal e Declaração dos Diretos das Nações Unidas dos Povos Indígenas. Dessa forma, a fim de esclarecer o costume dos Marubo, a Defensoria Pública fundamentou seu pedido também em dissertação da antropóloga Nelly Barbosa Duarte Dollis, que explica a importância da identificação do clã para aquele povo.

“Ao buscar entender a importância da inclusão do clã no nome, para os Marubo, me deparei com a riqueza da cultura desse povo. Originalmente, o clã representa diversas personalidades, boas, ruins, afetivas, festeiras e isso tem muita relevância até mesmo para a complexidade que envolve o casamento deles. Esse entendimento foi possível com a leitura da dissertação de uma antropóloga que estudou os Marubo e trouxe detalhes bastante interessantes desse povo, chamando atenção especificamente a questão da identificação do nome através dos clãs”, explica a defensora Rosimeire de Oliveira Barbosa, titular da Defensoria de Registros Públicos, que realizou atendimento a Yura no processo.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Museus paulistas discutirão políticas para o setor em fevereiro

CULTURA- O Theatro São Pedro, no centro de São Paulo, sediará entre os dias 12 e 14 de fevereiro o 13º Encontro Paulista de Museus...

Abertura da Mostra de Tiradentes põe em pauta regulação de plataformas

CULTURA - A coordenadora-geral da Mostra de Cinema de Tiradentes, Raquel Hallak, dedicou parte de seu discurso na cerimônia de abertura do evento na...

Mostra de Cinema de Tiradentes homenageará atriz Bruna Linzmeyer

CULTURA - Pelos próximos nove dias, Tiradentes, em Minas Gerais, se converte mais uma vez na capital nacional do cinema brasileiro. Assim como acontece sempre...

Fernanda Torres e Ainda Estou Aqui são indicados ao Oscar 2025

CULTURA - O filme Ainda Estou Aqui foi indicado a três categorias do Oscar 2025. A atriz Fernanda Torres foi indicada ao prêmio de Melhor Atriz. A produção...

Escolas do Grupo Especial do Rio começam ensaios técnicos no dia 25

CULTURA - Os ensaios técnicos das Escolas de Samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro, que costumam atrair grande público para a Passarela do...

Samba na Gamboa terá Nelson Rufino cantando repertório autoral

CULTURA - O experiente cantor e compositor baiano Nelson Rufino é o convidado recebido pela apresentadora Teresa Cristina na edição inédita da nova temporada do programa Samba na Gamboa que a TV...

Museu da Língua Portuguesa abre programação especial para as férias

CULTURA - Apresentações artísticas, brincadeiras e oficinas para bordar, desenhar e musicar. O Museu da Língua Portuguesa abre, neste sábado (11), programação de férias especial...

Ensino de cultura afro é obrigatório há 22 anos, mas requer avanços

CULTURA - Nos cadernos e livros das crianças, a maioria dos heróis brasileiros, dos escritores, das histórias revolucionárias de estrangeiros e de descobertas é...

Brasil bate recorde com mais de 3,5 mil salas de cinema

CULTURA - O setor cinematográfico brasileiro bateu recorde de salas de cinema em funcionamento no país. De acordo com a Agência Nacional do Cinema...

Grupos de reisado buscam inspirar jovens a manter tradições

CULTURA - O toque da zabumba, os versos, as cantorias, as cores das roupas, a dança e o legado dos mais velhos… Tudo encantou...

Pesquisador investiga cartas escritas por indígenas em 50 anos

CULTURA - “Acho que o problema do índio não é só da Funai e não é só do governo. O problema do índio é de...

Caminhos da Reportagem celebra 112 anos de nascimento de Luiz Gonzaga

CULTURA - O Caminhos da Reportagem desta semana celebra os 112 anos de nascimento de Luiz Gonzaga, o eterno Rei do Baião, com uma edição especial...

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

spot_imgspot_img
Últimas do Esporte
CMMspot_imgspot_img
LALTEC - SOLUÇÕES DIGITAIS 92 99199-5270spot_imgspot_img

Confira o destaque do senador Plínio Valério

POLÍTICA- "Isso não pode se concretizar. Uma multinacional não pode tomar conta de 14% do território nacional. Já enviamos o caso à Procuradoria-Geral da...

DeepSeek pode mudar rumo da corrida global por IA, dizem especialistas

SAÚDE- Nos últimos anos, os Estados Unidos lideraram a corrida global pelo desenvolvimento de tecnologias de inteligência artificial (IA). Entre 2018 e 2023, vultosos investimentos...

Na tribuna, em votos e nas leis: Plínio Valério é uma voz atuante na defesa da Zona Franca de Manaus

POLÍTICA- Desde o início de seu mandato até 2025, o senador Plínio Valério (PSDB-AM) já subiu à tribuna do Senado dezenas de vezes para...
PRADOSOMspot_imgspot_img
Notícias Relacionadas
Programa Caiu Na Rede Manospot_imgspot_img
CMMspot_imgspot_img