A atuação da Força-Tarefa (FT) Amazônia do Ministério Público Federal (MPF), nos últimos dois anos, resultou em ações penais contra 208 denunciados – entre pessoas físicas e jurídicas – por ilícitos ambientais cometidos na região que abriga a maior floresta tropical do mundo. Concentradas nos estados do Amazonas e de Rondônia, as 19 operações deflagradas pelo grupo de trabalho envolveram a articulação de 743 medidas de investigação autorizadas pela Justiça. Os significativos avanços desse trabalho vão além da resolução dos casos em si, contribuindo para a produção de conhecimento e qualificação da atuação do MPF na temática socioambiental, tanto na esfera cível quanto na criminal, conforme ressaltam os procuradores que coordenaram a FT.
De acordo com os procuradores da República Ana Carolina Haliuc Bragança e Rafael da Silva Rocha, a força-tarefa é uma iniciativa de colegas em apoio a colegas. Procuradores membros do grupo que precisaram de auxílio em matérias de grande complexidade puderam designar o caso à FT durante o período de atividades, para serem auxiliados, sem perder a condição de procuradores naturais desses casos. A FT Amazônia teve seu prazo de vigência encerrado em fevereiro de 2021.
Os procuradores destacam que essa medida de integração entre membros despersonaliza as atuações ministeriais, promove a segurança dos procuradores da República atuantes, possibilita o compartilhamento de práticas e experiências, mobiliza recursos humanos para proteção ao meio ambiente e a direitos de comunidades tradicionais, fortalece a memória institucional, difunde conhecimento e aproxima procuradores da República lotados em diferentes unidades diante do desafio de combater ilícitos que não conhecem fronteiras.
Entre os resultados mais evidentes dessa atuação integrada na produção de conhecimento foi a consolidação de um Manual de Atuação no campo da mineração ilegal de ouro, publicação que analisa toda a legislação aplicável ao garimpo de ouro na Amazônia.
Operações
Uma série de ilícitos foi identificada pela Força-Tarefa Amazônia a partir de investigações que resultaram em operações como a Ojuara. A investigação revelou o envolvimento de servidores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no Acre em esquema de corrupção que favorecia grileiros e pecuaristas ligados a desmatamento na região. Um dos denunciados por lavagem de dinheiro usava a esposa como “laranja”, registrando em nome dela bens e valores decorrentes da atividade criminosa para ocultar a origem de recursos movimentados entre 2011 e 2019, que foram calculados em mais de R$ 3,6 milhões.
Uma das ações mais recentes da FT Amazônia, a Operação Constantino, também envolve a participação de servidores públicos no favorecimento a ilícitos ambientais. A apuração que deu origem à operação identificou organização criminosa estruturada para invadir e desmatar terras de domínio federal localizadas na região sul do Amazonas, visando à implantação de atividade pecuária. O grupo era favorecido pelo apoio de servidores públicos do Instituto de Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Já a Operação Elemento 79 descortinou um complexo esquema de utilização de ouro proveniente de garimpos ilegais na Amazônia em uma indústria joalheira sediada em Manaus. Em pouco mais de dois anos, a indústria recebeu 316 quilogramas de ouro de origem ilegal, vindos de garimpos em Roraima, Rondônia e interior do Amazonas, para transformação em joias e barras de ouro. Segundo parecer produzido pelo setor pericial do MPF, cada quilograma de ouro extraído ilegalmente na Amazônia produz, minimamente, R$ 1,7 milhão de danos ambientais. Isso significa que, somente nessa operação, os danos ambientais superam a casa dos R$ 500 milhões.
Uma das atuações mais representativas ocorreu durante a Operação Amicus Regem, que cumpriu mandados de busca e apreensão em Porto Velho (RO), Brasília (DF), Cuiabá (MT), São Paulo e Itaituba (PA) em busca de provas e bens de interesse das investigações contra empresários, advogados, servidores públicos e empresas envolvidas na formação de uma organização criminosa que conseguiu lucrar mais de R$ 330 milhões por meio grilagem de terras e fraudes no estado de Rondônia ocorridas entre 2011 e 2015.
Outras duas operações conjuntas foram deflagradas com o objetivo de proteger a terra indígena Karipuna, que abrange os municípios de Porto Velho e Nova Mamoré. As operações Karipuna e Floresta Virtual culminaram na expedição de 15 mandados de prisão e 34 de busca e apreensão pela 5ª Vara da Justiça Federal, além do sequestro de bens dos investigados até o valor de R$ 46.096.433,30. Os delitos apurados nos inquéritos policiais incluem estelionato, furto de madeira, receptação, invasão de terras da União, desmatamento ilegal, lavagem de dinheiro, crimes contra a ordem tributária e constituição e participação em organização criminosa. Nos últimos anos, a região vem sofrendo com intensa atuação criminosa de madeireiros e grileiros, sendo constatado que 11 mil hectares já foram devastados em razão da exploração ilícita.
Posteriormente, na mesma terra indígena, foi deflagrada, em 2020, a Operação Kawyra, com a finalidade de desarticular grileiros do mesmo grupo identificado na Operação Karipuna, que já tentavam se estabelecer novamente na região. Três mandados de prisão preventiva, seis mandados de prisão domiciliar e doze mandados de busca e apreensão foram cumpridos.
Atuação cível conjunta
O trabalho da FT Amazônia também envolveu demandas na esfera cível, visando à promoção e proteção de direitos de povos e comunidades tradicionais afetadas pelas atividades irregulares. “Em muitos casos, como na Operação Elemento 79, na Operação Constantino e nos casos envolvendo o Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Antimary, em Boca do Acre, no Amazonas, as atuações criminais foram acompanhadas de atuações de tutela coletiva, com ajuizamento de ações civis públicas e expedição de recomendações”, afirma Ana Carolina Haliuc Bragança.
No caso do PAE Antimary, foi obtido título jurídico junto ao Incra para assegurar às comunidades extrativistas locais o uso sustentável da área de colheita de castanhas, bem como foram cancelados Cadastros Ambientais Rurais ilegalmente registrados no território tradicional. Na mesma região, foram denunciados fazendeiros grileiros e policiais vinculados a uma milícia armada que servia aos responsáveis pela grilagem.
Também foram ajuizadas ações civis públicas tratando de temáticas como os mecanismos de controle da circulação do ouro; a revogação do zoneamento agroecológico da cana de açúcar na Amazônia; e a estruturação das atividades de combate a infrações ambientais na Amazônia durante a pandemia de covid-19.
Outro destaque foi a ação de improbidade administrativa contra o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, pelos impactos de suas opções de gestão sobre a proteção ao meio ambiente.
Em outros procedimentos em curso (inquéritos civis) são acompanhados temas como a formulação e implementação da política pública de combate ao desmatamento e a queimadas pela União Federal e pelo Estado do Amazonas e o desmonte estrutural do Ibama e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e seus impactos sobre a Amazônia.
Estruturação
Pensando nesses resultados positivos a partir do aprimoramento da atuação na temática ambiental, Ana Carolina Bragança e Rafael Rocha ressaltam que é importante debater, no âmbito do Ministério Público Federal, modelos que propiciem o fortalecimento estrutural e permanente da instituição na região Norte, sob pena de os desafios dados por fenômenos como a criminalidade ambiental organizada, as mudanças climáticas e a falta de ordenamento socioambiental e fundiário estarem permanentemente além do alcance dos recursos da instituição.
De forma geral, os procuradores que aderiram ao projeto entendem que, enquanto não estiver fortalecida efetivamente a pauta socioambiental na Amazônia e não forem oferecidas soluções que minimizem a desigualdade regional e temática, que privilegia o combate à corrupção política na região centro-sul do país, iniciativas como a Força-Tarefa Amazônia continuarão sendo necessárias, enfatizam os coordenadores da força-tarefa encerrada em fevereiro.