A mãe e a madrasta da menina Ketelen Vitória Oliveira da Rocha, 6, que morreu neste sábado (24) depois de sofrer agressões e passar cinco dias em coma, devem ser indiciadas pelo crime de tortura, com o fator agravante de que a criança foi a óbito.
O delegado Marcelo Nunes, responsável pelas investigações no município de Porto Real, no interior do Rio de Janeiro, disse à Folha que tem esse entendimento porque a garota “sofreu violência por mais de três dias, desde sexta [16] até a madrugada de segunda [19], até agonizar e ir para o hospital, ainda viva”.
Como Ketelen morreu, a pena prevista na lei que define os crimes de tortura é de 8 a 16 anos de prisão. A punição também pode ser ampliada de um sexto até um terço se a violência é cometida contra criança, gestante, pessoa com deficiência, adolescente ou idoso.
Gilmara de Farias, 28, e a companheira, Brena Luane Nunes, 25, foram presas preventivamente. Elas moravam juntas desde julho do ano passado e, segundo a polícia, confessaram as agressões.
A mãe de Brena, Rosangela Nunes, 50, confirmou à reportagem que a criança vivia uma rotina de violência e privações na casa.
O corpo de Ketelen foi enterrado na tarde deste domingo (25) no Cemitério Municipal de Engenheiro Pedreira, em Japeri, região metropolitana do Rio, onde mora o pai da menina, o autônomo Roger Fabrizius, 32. A cerimônia contou com poucos familiares.
O delegado aguarda o laudo de necropsia e o resultado da perícia de local para concluir o inquérito. A princípio, foram constatadas múltiplas lesões, principalmente na cabeça, o que levou a um traumatismo craniano. Também foi descoberto que a menina não comia desde o dia em que começou a ser agredida.
“Na sexta a menina tomou duas caixas de leite, derramou e aí começou a série de violências. Além disso, a mãe narra que a companheira estava sentindo ciúmes dela com a filha”, diz Nunes. “A Brena era a que mais batia, na mãe dela, na Gilmara, na criança. Mas a Gilmara também batia e nessa última conduta ajudou a bater.”
Dois vizinhos ouvidos pela polícia relataram que, quando as violências eram praticadas, o casal aumentava o som no último volume e que, se fossem reclamar do barulho, Brena era muito violenta e xingava. Eles não sabiam que havia uma criança na casa.
Após o sepultamento de Ketelen, a mulher do pai da garota disse que ele está muito abalado com a morte e que o casal jamais imaginou que Gilmara fosse violenta com a filha. Segundo Ana Maria da Silva, 21, antes de ir para o sul fluminense, a mãe se mostrava muito atenciosa. “Ela repreendia, colocava de castigo. Mas depois a menina pedia desculpas e ficava tudo bem”, afirmou.
Ela contou que Gilmara se mudou para Resende, município vizinho de onde ocorreu o crime, dizendo que havia conseguido a ajuda de uma vereadora para se aposentar. Ela tem uma deficiência em uma das pernas e estava perdendo uma das visões.
Segundo Ana Maria, Gilmara insistiu para levar a menina da casa da avó materna, em Duque de Caxias. “Ela já tinha ido uma vez para Resende, mas voltou e disse que queria levar a Ketelen. Ninguém sabia do envolvimento dela com outra mulher. Depois disso, sumiu.”
Ela diz que os familiares de Roger, assim como ela, esperam a punição das agressoras. “Espero que elas paguem pelo que fizeram. O caso da Ketelen e do menino Henry devem servir de exemplo para que outras pessoas denunciem esses casos de crianças maltratadas.”
Questionada neste domingo se Gilmara vivia em cárcere privado, a mãe da madrasta, Rosangela Nunes, afirmou à Folha que, em agosto do ano passado, a mulher chegou a comprar uma passagem para ir embora com a filha de Porto Real, mas desistiu.
“Ela disse que não foi embora porque a Brena não deixou. Perdeu a passagem e o dinheiro. Mas acho que ela não ia embora porque não queria. A Brena chegava mandar a Gilmara ir embora, mas ela não ia”, disse a dona de casa, que morava junto com o casal.
Segundo o delegado Marcelo Nunes, Rosangela está sendo investigada por omissão de socorro, por não ter comunicado as autoridades sobre o estado da criança no último fim de semana. “Como ela não participou das agressões e alega que era coagida, entendi que não era o caso de inclui-la na tortura.”
Ela diz não ter denunciado a filha por medo, porque sempre era agredida por Brena: “[No Ano-Novo] ela me bateu com pedaço de pau. Bateu na minha barriga e tive até hemorragia na vagina. Também precisei dar pontos no dedo. Ela também deu socos no rosto da minha mãe de 86 anos. Dizia que, se a polícia aparecesse, mataria a gente”.
A reportagem não conseguiu localizar a defesa das suspeitas. A Defensoria Pública do Rio informou que participou da audiência de custódia do casal, mas, como ainda não há ação penal em curso, o órgão não foi formalmente constituído para o caso.